quarta-feira, 26 de maio de 2010

Escute o que digo, mas não escute o que escuto

Sabe, eu estava escrevendo algo realmente bonito. Mas é difícil quando tem uma mulher extremamente empolgada ao seu lado contando uma piada para um bando de amigos do trabalho sobre uma fanha que dá uma calcinha suja para o açougueiro, porque ela não conseguia falar “bacalhau” e precisava de um exemplo que lembrasse o objeto de desejo. É... É uma droga quando as pilhas do MP3 acabam. Aliás, transporte público é um ótimo lugar para ouvir pérolas alheias e coisas desagradáveis.

Um comentário incrível que tive a infelicidade de ouvir foi em um ônibus na Avenida Nove de Julho, que, para quem não sabe, tem uma pista dedicada aos transportes públicos. Ou seja, tínhamos um trânsito próprio. E enquanto os carros andavam normalmente, estávamos parados há muito tempo esperando os que estavam na frente, provavelmente deixando os passageiros subirem e descerem, embora não desse para ver de onde estávamos. Neste momento, em uma explosão de raiva, um senhor grita “Esse cara é muito ruim! Tá todo mundo andando e só ele fica aqui parado”. Ele realmente acreditava que o motorista estava ali por mero prazer. O que se pode fazer com uma pessoa dessas?

Em outra vez estava no trem que circula pela margem do rio Pinheiros, que sempre nos agracia com seu excelente perfume, e dois homens conversando ao lado começam a discutir sobre o estado atual dessa grande banheira de capivaras que chamam de rio. Um deles, absurdamente seguro de suas palavras, diz que limpá-lo é uma tarefa muito simples! “Em um ano, no máximo, dá para terminar”, afirma. Fascinante.

Mas acho que ainda não tem nada pior do que ser obrigado a ouvir funk saindo do celular de algum infeliz que se acha a pessoa mais incrível do recinto. Sério, quem este ser acéfalo pensa que está impressionando? Pilhas malditas!

domingo, 2 de maio de 2010

Vida de estagiário

Não existe nada pior que ser estagiário. Em uma empresa, o estagiário não está acima nem da equipe de limpeza. Eles ganham vale-refeição e você não. Eles possuem plano de saúde e você? Nada contra as tias da faxina, mas é difícil ser a barata ou a formiga da hierarquia empresarial.

Hoje, estou praticamente efetivado (já exerço função de efetivado, isso só não foi oficializado ainda) e gosto de observar os recém chegados na agência onde trabalho. Em grandes empresas todos têm em comum algumas das seguintes características:

1. Não entendem questões de hierarquia

Antes de tudo, o estagiário precisa entender que ele é um fodido que ganha pouco. Toda vez que algo der errado a culpa é dele. Se a tia da faxina tropeçar e cair você vai ouvir: “Isso aí é culpa do estagiário novo que passou ontem e deixou duas gotas de água cair bem nessa região. A Joaquina tava limpando hoje de manhã e escorregou nelas”. Sim, não importa o que você faça a culpa é sempre sua. Você errou porque o chefe não te ensinou ainda como se faz? Problema seu, meu caro. O chefe só te contratou pra ter alguém pra jogar a culpa quando algo der errado. Entenda que você é o menor na escala de trabalho e não deve reclamar. É assim: Presidente reclama com o vice; o vice manda o executivo pra merda; o executivo dá uma bronca no encarregado; o encarregado fica puto da vida e manda os auxiliares tomar naquele lugar; os auxiliares reclamam com os empregados; um dos empregados chega em casa e bate na mulher; a mulher fica irritada e desconta no filho; o moleque fica puto e dá uma tapa no cachorro; o cachorro morde o estagiário.

2. Chegam querendo mostrar que são educados e se importam com todos os colegas.

O erro dos estagiários nesse tópico é que eles nem imaginam que os “colegas” olham pra eles com desprezo e comentam frases do tipo: “Lá vem mais um estagiário bobão. Esse aí tem mais cara de idiota que o anterior”. Naturalmente com o tempo e as humilhações eles descobrem isso. E não, você não conseguirá pegar nenhuma mina na empresa

3. Todo mundo ri da forma como ele se veste.

Em grandes empresas, um candidato com o mínimo de cuidado vai bem vestido. Os candidatos a vaga de estágio sabem disso e, pegos de surpresa quando a moça do RH liga os convidando para uma entrevista, se viram pra conseguir os trajes adequados. A agência em que trabalho faz publicidade, estratégias e planejamentos para divulgações na web e relacionamento com a mídia para grandes corporações. Por causa disso, ir bem vestido na entrevista, ao contrário de outros trabalhos para jornalista, é obrigatório. Não é raro ver estagiários chegando ao primeiro dia de trabalho com sapato, calça e camisa social e um puta moletom com toca escrito billabong. É uma piada pronta. Isso quando não chegam pra entrevista usando o terno do pai ou aquela roupa que usaram no casamento da tia três anos atrás.

4. Acham que vão desempenhar o trabalho mais importante que existe na empresa.

Os pobres jovens chegam a seu primeiro dia de trabalho achando que vão desenvolver tarefas na diretoria. É realmente muito engraçado quando eles percebem que suas horas diárias de proletário serão imprimindo, organizando e copiando coisas. Se tiver uma mulher bem fresca e mimada como chefe a coisa vai piorar muito porque ela vai te obrigar a fazer coisas pessoais dela.

Vou compartilhar algumas crueldades que fizeram comigo quando eu era estagiário:

Na minha segunda semana fui almoçar com um colega de equipe e uma jovem que fazia RM pra uma empresa diferente da minha. Os dois esqueceram que eu era estagiário e entraram em uma porra de um restaurante chique pra cacete. Assim que entrei me desesperei. Abri a carteira e pensei: FODEU. Quando o cardápio chegou vi coisas do tipo:

Blanquette de veau – R$ 126,00
Cuisses de grenouilles – R$ 98,00

(Não eram esses os nomes, só usei como exemplo)

Pensei em sair correndo do restaurante e nunca mais voltar na empresa. Felizmente Deus é bom e havia um sanduíche de 30 reais. Não pensei duas vezes, fingi estar sem fome e pedi a coisa mais barata que eles tinham. No meio conversa comentei:

- Caramba, eles podiam pagar VR pra estagiário também, né?

Meu companheiro de equipe respondeu:

- Eu acho que está certo não pagar porque só assim o estagiário se coloca em seu devido lugar.

Poucas vezes me senti tão humilhado na minha vida. Foi como um tapa na cara. A menina que nos acompanhava era linda e ser humilhado na frente dela fez eu me sentir ainda pior. O próprio garçom que anotava os pedidos olhou pra mim com cara de pena e um sorriso amarelo. Na hora, eu achei que fosse mandar o sujeito pra inferno, mas não o fiz. Engoli seco. A moça que nos acompanhava, que depois virou uma das minhas melhores amigas na empresa, percebeu a situação e mudou de assunto rapidamente.

No meu primeiro happy hour com o pessoal da empresa passei por uma humilhação maior. Eu já me sentia mais contente porque aparentemente os colegas gostavam de mim. Fomos a um bar em estilo mexicano e alguns convidaram amigos de fora da agência. Tudo ia muito bem e eu estava realmente gostando de estar ali. De repente, uma moça que estava na mesa comentou que havia me achado interessante. Ela era amiga de uma colega de trabalho minha e ouviu como resposta: “Ele é o estagiário. Desencana, né?”

Não tenho mais nada pra falar sobre isso.

Eu tive noção desse mundo humilhante em que o estagiário vive bem cedo. Na minha primeira semana ouvi:

“Meu, cala a boca porque você é estagiário.”

Passei por tanta coisa que poderia escrever um livro sobre as humilhações que o estagiário passa. “O chão da empresa – humilhações na vida de um estagiário”, por Daniel Antunes. Ia vender, na boa.

Não é fácil, mas faz parte. Quem teve o privilégio de ser estagiário em uma grande empresa sabe bem o que é ser humilhado. A maioria das pessoas diz que é normal e que você um dia também irá humilhar “seus” estagiários. Confesso que tenho dúvidas em relação a isso.

É isso ae! Escrevi na correria agora só pra não pro Sato não ficar postando no Twitter que eu não cumpri a promessa.