sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Alô, Ricardão?

Nunca fui amante de ninguém. Confesso que já me imaginei escondido dentro de algum guarda-roupa ou participando de uma perseguição de carros, numa mortal disputa pela freada com um marido furioso. Em meus pesadelos mais tensos e intensos, vejo o Leopoldo, o dono dos chifres, espumando de raiva enquanto dirige loucamente atrás de mim.

Nós corremos numa estrada de terra lá nos confins do Alabama, espalhando poeira para todos os lados. De repente, paramos e descemos dos respectivos automóveis. O Leopoldo puxa da cintura o revolver calibre 38. “Te mato, Ricardão!”, diz ele, olhando para mim. “Você pode acabar comigo, mas pelo menos peguei a Bernadete, a sua esposa”, eu digo, me esquivando dos tiros que vieram a seguir.

No sonho, o Leopoldo não me mata, pois sou o amante, o garanhão, o Ricardão, e, com esses atributos, é impossível se dar mal na vida. Infelizmente, meu nome ainda é Leandro e não tenho a ventura de dirigir carros em alta velocidade. Na realidade não sou o rival de nenhum marido, pois geralmente os amantes são musculosos, altos, com cabelos negros e com voz de galã, além de adorarem ouvir músicas espanholas em seus cadilac’s vermelhos. Pois é, uns nascem para amante, outros para o amor.

Eu realmente acreditava que a minha aptidão para plantar chifres em cabeças alheias não passava de sonho até que, na terça-feira, o celular tocou.

– Alô, você é o Leandro? – gritou um homem.
– Sim, pois não?
– Leandro, você conhece a Bernadete?
– Não conheço...Espera aí, lembrei: morena, evangélica, lia Henry Miller, né? Estudamos juntos na 8ª série. Como ela está? – perguntei.
– Então, meu nome é Leopoldo. Sou marido da Bernadete.
– Poxa, que legal. Não sabia que ela era casada.
– Pois é. Só te digo uma coisa: a próxima vez que você sair com a minha esposa, te mato, Leandrão.

Sim, a minha reação foi a mesma que a sua, leitor. Como assim sair com a Bernadete? Há anos não a vejo. Na verdade, não lembrava que ela fez parte da minha vida. Para mim, não passava de uma gaveta escondida no armário da memória. A Bernadete era apenas um pesadelo em uma noite chuvosa. Esse cara deve estar louco, bêbado, drogado ou algo pior.

– Meu amigo Leopoldo, você está enganado. Não vejo a Bernadete desde a época do colégio, há longínquos três anos – eu disse, nervoso.
– Ela me contou tudo, cara. Vocês são amantes faz tempo. Ela está grávida, desconfio que seja sua a criança.
– Espera aí, até pai agora eu sou? Essa mulher te enganou. E sei lá por que envolveu o meu nome no adultério.

O Leopoldo ficou em um silêncio ansioso. Em seguida, desligou o telefone. Talvez tenha ido furar os olhos de ressaca da Bernadete. Incrível, não? Mas juro, juro que não sou o Ricardão da história.