A sensação é de não estar sozinho no mundo. Milhares de pessoas estão ao meu lado, um exército pronto para batalha, todos unidos a um mesmo ideal. De repente, ouço a linda voz da razão: “A faixa amarela é a sua segurança, não a ultrapasse”.
As portas do metrô se abrem e a multidão entra atropelando até o ar. A moça de vermelho quase cai, a cabeça de um engravatado passa a milímetros de um poste de ferro, um casal só se desgruda porque eu, sem querer, me ajeito entre eles. Uma senhora grita, ofendida: “cadê o respeito, meu filho!”. Todos olham para trás, fingindo não ouvir.
Meus braços estão lá em cima, imóveis. Já sinto um gel de cabelo me sujando a camisa. A moça de vermelho coloca uma música eletrônica no celular; ela dança a cabeça: é impossível mexer o corpo. A senhora ofendida levanta a sobrancelha, continua procurando o respeito.
Ainda divido o casal. Através de mim, eles enviam sorrisos e paixões reprimidas. Meus pés doem. Na primeira parada, entra um menino de quatro anos, que vai parar lá perto do meu joelho. O senso comum diz que não cabe mais ninguém ali. As pessoas do lado de fora discordam: entram mais dois infelizes.
O engravatado tenta pegar uma Veja, mas não consegue. O menino começa a chutar minha perna, talvez eu seja uma bola. A garota de vermelho desiste da música eletrônica, coloca Roberto Carlos, O divã. A senhora ofendida abre um sorriso. Ouvindo o tema romântico, o casal ameaça uma briga.
Na segunda parada, desce o engravatado. Pelo vidro, eu o vejo pegar a Veja e sorrir. Feliz, o garoto decide pisar no meu pé. A moça de vermelho e a senhora ofendida agora conversam sobre os anos 60. Formigam os meus braços lá em cima. Quero descer e mudar para o Acre. Lá, o metrô é vazio.
Discutindo o passado, o casal vai embora. Entra vendedor de amendoim: "é um real, senhora, e da melhor qualidade". O menino se interessa e para de me atormentar. A moça de vermelho e a senhora ofendida conversam sobre a Zibia Gasparetto. Eu penso nessas trilhas de aventura: em São Paulo, passamos por elas diariamente e ninguém percebe.
Um segurança se aproxima e toma o amendoim do cara. O menino chora, com a raiva e o desejo escorrendo pelo rosto. A senhora ofendida grita, relembrando o respeito devido ao vendedor, aos trabalhadores, aos aposentados, aos estudantes, aos cronistas e às crianças que gostam de amendoim. O segurança ignora.
Em seguida, a voz da razão diz: “Estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem”. Eu, o menino, a senhora ofendida, a moça de vermelho e o cara do amendoim, descemos, satisfeitos. Agora, só me resta sair e encarar outra aventura: o ônibus.
As portas do metrô se abrem e a multidão entra atropelando até o ar. A moça de vermelho quase cai, a cabeça de um engravatado passa a milímetros de um poste de ferro, um casal só se desgruda porque eu, sem querer, me ajeito entre eles. Uma senhora grita, ofendida: “cadê o respeito, meu filho!”. Todos olham para trás, fingindo não ouvir.
Meus braços estão lá em cima, imóveis. Já sinto um gel de cabelo me sujando a camisa. A moça de vermelho coloca uma música eletrônica no celular; ela dança a cabeça: é impossível mexer o corpo. A senhora ofendida levanta a sobrancelha, continua procurando o respeito.
Ainda divido o casal. Através de mim, eles enviam sorrisos e paixões reprimidas. Meus pés doem. Na primeira parada, entra um menino de quatro anos, que vai parar lá perto do meu joelho. O senso comum diz que não cabe mais ninguém ali. As pessoas do lado de fora discordam: entram mais dois infelizes.
O engravatado tenta pegar uma Veja, mas não consegue. O menino começa a chutar minha perna, talvez eu seja uma bola. A garota de vermelho desiste da música eletrônica, coloca Roberto Carlos, O divã. A senhora ofendida abre um sorriso. Ouvindo o tema romântico, o casal ameaça uma briga.
Na segunda parada, desce o engravatado. Pelo vidro, eu o vejo pegar a Veja e sorrir. Feliz, o garoto decide pisar no meu pé. A moça de vermelho e a senhora ofendida agora conversam sobre os anos 60. Formigam os meus braços lá em cima. Quero descer e mudar para o Acre. Lá, o metrô é vazio.
Discutindo o passado, o casal vai embora. Entra vendedor de amendoim: "é um real, senhora, e da melhor qualidade". O menino se interessa e para de me atormentar. A moça de vermelho e a senhora ofendida conversam sobre a Zibia Gasparetto. Eu penso nessas trilhas de aventura: em São Paulo, passamos por elas diariamente e ninguém percebe.
Um segurança se aproxima e toma o amendoim do cara. O menino chora, com a raiva e o desejo escorrendo pelo rosto. A senhora ofendida grita, relembrando o respeito devido ao vendedor, aos trabalhadores, aos aposentados, aos estudantes, aos cronistas e às crianças que gostam de amendoim. O segurança ignora.
Em seguida, a voz da razão diz: “Estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem”. Eu, o menino, a senhora ofendida, a moça de vermelho e o cara do amendoim, descemos, satisfeitos. Agora, só me resta sair e encarar outra aventura: o ônibus.